Repórter Jota Anderson
Há algum tempo, uma notícia vem retumbando na opinião pública paulista. Dá a entender, ao menos do modo como, às vezes, é veiculada, que o governador de São Paulo e o seu secretário de Segurança Pública – que veio da Polícia Militar – querem dar maiores poderes à PM. Poderes que, por conseguinte, seriam tirados da Polícia Civil (PC). O fato exige esclarecimentos e reflexões.
Sabe-se que, hoje, ao ser chamada para atender uma ocorrência de qualquer natureza, a PM, necessariamente, elabora um Relatório sobre os fatos narrados ou presenciados. Ele é de controle interno da instituição. Há, no entanto, em outros episódios mais sérios – digamos – o chamado Boletim de Ocorrência Policial Militar (BOPM), cuja cópia é também entregue à Polícia Civil (PC) ou, no tempo oportuno, ao Poder Judiciário. Até aqui, ao que parece, nenhuma novidade, uma vez que, no caso, por força da Constituição Federal de 1988, a função da PM é de caráter preventivo e ostensivo e a da PC investigativa ou judiciária; salvo se envolver crime militar, investigado, então, em seu próprio meio (cf. Art. 144, inc. V, §§ 4º e 5º).
Isso posto, vê-se que a celeuma está no fato de atribuir à PM, além do BOPM, a elaboração do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). Sim, até a presente data, sua confecção tem sido atribuição exclusiva da PC. Isto – frise-se – apenas em São Paulo e em alguns outros entes federativos, pois vários Estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná etc.) já dão à PM a incumbência de elaborar o TCO.
Pois bem, duas perguntas podem, aqui, aflorar: Que é um TCO? Com que base legal a PM pode elaborá-lo? – Respondemos que o TCO é, em poucas palavras, o registro da ocorrência de uma infração penal de menor potencial ofensivo (cf. Art. 61 da Lei 9.099, de 26/09/1995) que, por exemplo, não prevê prisão em flagrante ou a arbitragem de fiança. Contém, essencialmente, a qualificação dos envolvidos, o relato do fato e o local em que este se deu. Uma vez elaborado, há de ser encaminhado para o Juizado Especial a fim de que, a partir daí, se desenrole o devido processo legal. Ele não se confunde, pois, com um Boletim de Ocorrência (BOPM), que lhe é precedente, nem com o Inquérito Policial (IP), atribuição da PC, para investigar crimes mais graves. Seu devido amparo legal está na Lei 9.099, de 26/09/1995, Artigos 69 e 70 especialmente.
Em que pese o supracitado artigo 69 usar o termo “autoridade policial” (que poderia levar a entender apenas a Polícia Civil) como a única apta para elaborar o TCO, o STF entendeu, de modo reiterado (cf. Decisões sobre as ADIs 3807; 5.637; 6245 e 6264), que a função de lavrar um TCO – por não ter natureza investigativa – não é de competência exclusiva da PC. Pode, pois, por extensão, ser (como, de fato, já tem sido, há longa data, em algumas unidades da Federação) elaborado pela PM.
Além do amparo legal exposto, do ponto de vista prático, foi publicado, na Revista Susp, Brasília, vol. 1, n. 2, jul./dez. 2022, pp. 117-135, o artigo intitulado Mapeamento da gestão do Termo Circunstanciado de Ocorrência nas Polícias Militares do Brasil. Seu mérito é apontar os resultados altamente positivos à população a partir da confecção do TCO pela PM. E isso é fato. Afinal, ante uma desavença com vizinhos, por exemplo, você prefere um TCO elaborado pela PM, em minutos, na frente de sua casa ou ser conduzido à Delegacia de Polícia e lá enfrentar, conforme o momento, horas e horas de fila para ter o mesmo atendimento?
Infelizmente, em São Paulo, governador e secretário, ao menos por ora, recuaram. Com isso, quem perde é a já sofrida população de bem. Nós também esperamos uma breve reunião com o secretário para tratar deste e de outros assuntos importantes ligados à segurança pública. Mas, até agora, nada. Uma pena!
Artigo: Vanderlei de Lima é graduado em Filosofia com extensão em Direito e Punição pela PUC-Campinas; Felipe Bertazzo Tobar é advogado, graduado em Direito pela Universidade da Região de Joinville, e doutor em Parques e Recreações pela Clemson University (EUA).