Repórter Jota Anderson
A Exortação Apostólica Dilexi te (Amei-te; Ap 3,9), de 9 de outubro de 2025, do Papa Leão XIV, complementa o magistério de Francisco († 2025). Ao focar no amor da Igreja para com os pobres, os preferidos do Reino, ela eleva o compromisso social ao nível da Revelação e da missão eclesial.
O Capítulo I estabelece que o contato com os pobres é um encontro fundamental com o Senhor, pois Cristo Se identifica com eles (Mt 25,40). A opção preferencial pelos pobres é o caminho para a renovação da Igreja, exigindo que Ela ouça o seu clamor, um grito que interpela a história. A pobreza é multifacetada (material, social, moral, cultural), mas nem por isso o Papa deixa de criticar a cultura do descarte e as ideologias de meritocracia a justificarem a desigualdade, alertando ser a riqueza atual, que cresceu sem equidade, a geradora de novas pobrezas (com destaque para as mulheres). O exercício da caridade é o núcleo incandescente da missão eclesial e não pode ser desprezado.
O Capítulo II aprofunda a opção preferencial de Deus pelos pobres como o cerne da fé cristã. Jesus Cristo encarna essa preferência ao fazer-Se pobre para os pobres, desde o Seu nascimento humilde até a humilhação da cruz. Ele inverte a concepção de que a pobreza é castigo; proclama-a como felicidade (cf. Lc 6,20). O amor a Deus e o amor ao próximo são inseparáveis, sendo as obras de misericórdia a prova dessa autenticidade (1Jo 4,20). A Palavra de Deus é clara, direta, simples e eloquente sobre o tema, conforme a parábola do Juízo Final (cf. Mt 25,31-46). A fé sem obras é morta (cf. Tg 2,14-17).
O Capítulo III traça a história da Igreja para os pobres (a diakonía), defendendo que eles são a verdadeira riqueza de Cristo. São Lourenço resumiu isto ao apresentar os deserdados como os tesouros da Igreja. Os Padres da Igreja, como São João Crisóstomo, foram radicais ao afirmar que “não dar aos pobres é roubá-los” e que o culto é falso se Cristo está faminto na porta da igreja. Essa missão se expressou na vida monástica (São Bento de Núrsia), nas Ordens Mendicantes (Franciscanos e Dominicanos), no cuidado aos enfermos (São Camilo de Léllis). A instrução dos pobres (São José de Calasanz) é destacada como elevada expressão da caridade.
O Capítulo IV delineia a Doutrina Social da Igreja (DSI) moderna: parte de Leão XIII (Rerum novarum), São João XXIII (Mater et Magistra), Concílio Vaticano II, com a Gaudium et spes, passa por São Paulo VI, São João Paulo II, Bento XVI e chega ao Papa Francisco. Diz que ele, nos últimos anos, denunciou as “estruturas de pecado” e a “ditadura de uma economia que mata”, exigindo urgência na solução das causas estruturais da pobreza. A falta de equidade é a raiz dos males sociais. O Episcopado Latino-Americano, por sua vez, qualificou a injustiça como “pecado social” (tema complexo e debatido) e afirmou que os pobres são sujeitos de evangelização e como tais devem ser reconhecidos.
O Capítulo V conclui que o amor pelos pobres é um elemento essencial e ininterrupto da Tradição da Igreja. Os pobres são a própria carne de Cristo e uma questão familiar do fiel, não apenas um problema social. A atual cultura da indiferença e da ignorância no cuidar é um sintoma da nossa sociedade enferma, pois contraria o mandato do Bom Samaritano (cf. Lc 10,37).
O Pontífice alerta que a pior discriminação é a falta de cuidado espiritual. A busca por tranquilidade, delegando o cuidado a outros, leva ao mundanismo espiritual. A esmola é reafirmada como um gesto necessário de contato e partilha. Ela, embora não substitua a luta por justiça e trabalho digno, é vital para tocar a carne sofredora dos pobres. O amor cristão é profético, ilimitado, a única forma de a Igreja ser quem o mundo precisa.
Eis, em suma, a Dilexi te (Amei-te), do Papa Leão XIV.
Por: Vanderlei de Lima é eremita de Charles de Foucauld.