Repórter Jota Anderson
Este artigo trata de duas ocorrências um tanto comuns, mas de causas diferentes. A primeira (envolvendo transtornos psicóticos paranoicos) é doença mental grave e há, por isso, ruptura com a realidade, já na segunda (a popular histeria) tem-se um transtorno de personalidade. Nele, a pessoa permanece totalmente consciente de seus atos.
Comecemos pelo chamado surto psicótico paranoico, um dos mais graves quadros psiquiátricos. Caracteriza-se pela ruptura com a realidade e a construção de um mundo paralelo repleto de delírios de perseguição. Tudo parece ameaçar o doente. A psiquiatria classifica tais surtos em crônicos ou transitórios.
O crônico – como o próprio nome indica – está, via de regra, associado à esquizofrenia e se faz persistente. O delírio não é um evento isolado, mas condição que se manifesta por um período de tempo prolongado, comprometendo de modo muito significativo a vida do indivíduo. Na esquizofrenia, tal delírio é acompanhado de outros sintomas, como alucinações auditivas (vozes que comandam) e desorganização do pensamento. Um homem em surto crônico, que acredita ser perseguido por “agentes secretos”, ataca, do nada, um vizinho inocente que ele crê fazer parte da trama secreta contra si. O surto transitório é mais agudo, porém de curta duração, e geralmente desencadeado por fatores externos. Pode ser induzido por doença ou por substâncias químicas. Em um caso de surto induzido por doença, a psicose é o sintoma de uma condição médica subjacente. No caso de substâncias, o surto é causado pelo uso de drogas, como metanfetamina ou cocaína, por exemplo. Neste caso, a pessoa, completamente alucinada e em estado paranoico, ao ser abordada pela Polícia, em uma praça, acredita que os policiais querem matá-la, e, por esta razão, reage com violência gratuita à abordagem.
Esclarecido isto, passemos ao chamado Transtorno de Personalidade Histriônica (TPH), que, no passado, era conhecido como histeria. É, como dito no início, um quadro inteiramente diferente do surto psicótico, pois não se trata de uma perda de contato com a realidade, mas, sim, de um padrão de comportamento enraizado na personalidade do sujeito. Caracteriza-se pela emotividade excessiva e a busca incessante por atenção. A pessoa com TPH se vale do drama e da sedução a fim de dominar a cena e ser o centro das atenções.
Um exemplo prático e comum, em grandes centros urbanos, como o de São Paulo, ilustra bem essa dinâmica. Imagine que a Polícia Militar é chamada para averiguar uma jovem, em atitude suspeita, parada em frente a um movimentado comércio. A equipe desembarca da viatura e, ao abordar a moça, esta inicia um espetáculo de pura teatralidade. Grita, chora, se joga no chão e acusa a policial feminina que a abordou de “agressão”. Suas palavras são vagas, dramáticas, mas fortes: “Você está me machucando! Sua louca! Nenhuma mulher entende o que eu passo!”. A cena é montada nos mínimos detalhes para chamar a atenção da multidão ao redor.
O ponto crucial, no entanto, vem em seguida. Ao olhar para um jovem policial masculino presente, a moça muda sua postura. O choro e a raiva se transformam em apelos. Levanta-se e dirige-se até ele. Com uma voz doce e sedutora – parecendo até ser outra pessoa –, implora por ajuda e proteção. Uma tática maquiavélica para deslegitimar a autoridade feminina, obter o controle da situação e ganhar, talvez, carinho do PM.
Tal comportamento não é um surto, mas pura manipulação consciente e calculada. A jovem em questão usa da emoção para atingir seus objetivos, ainda que muito irrisórios. Não há delírios ou alucinações como no caso de uma psicose paranoica. Ela apenas quer, como é comum no TPH, um palco e uma plateia para se exibir...
Eis dois tipos de ocorrências distintas a requererem, cada uma a seu modo, muita atenção.
Vitor Roberto Pugliesi Marques é médico neurologista (UFTM/Uberaba) e Mestre em Ciências da Saúde pela FAMERP/São José do Rio Preto; Vanderlei de Lima é graduado em Filosofia (PUC-Campinas) e pós-graduado em Psicopedagogia pela UNIFIA/Amparo.